sexta-feira, 8 de março de 2013

Um copo de cólera, Raduan Nassar

Ficha Técnica

Gênero: Romance
Ano de lançamento: 1978
Ano desta edição: 2009
Páginas: 88
Idioma: Português

Citação: "[...] eu então me levantei e fui sem pressa pra cozinha (ela veio atrás), tirei um tomate da geladeira, fui até a pia e passei uma água nele, depois fui pegar o saleiro do armário me sentando em seguida ali na mesa (ela do outro lado acompanhava cada movimento que eu fazia, embora eu displicente fingisse que não percebia), e foi sempre na mira dos olhos dela que comecei a comer o tomate, salgando pouco a pouco o que ia me restando na mão, fazendo um empenho simulado na mordida pra mostrar meus dentes fortes como os dentes de um cavalo, sabendo que seus olhos não desgrudavam da minha boca, e sabendo que por baixo do seu silêncio ela se contorcia de impaciência, e sabendo acima de tudo que mais eu lhe apetecia quanto mais indiferente eu lhe parecesse [...]"

  

Raduan Nassar, embora ainda vivo, passou como um foguete pela literatura. Lançou dois livros, cansou de tudo e foi morar em sua fazenda (que doou, recentemente, para seus empregados e para a UFSCAR). Apesar disso, suas obras perduram e são influência para muita gente, sendo que "Lavoura Arcaica" e "Um copo de cólera" foram adaptados para o cinema.

"Um copo de cólera" conta um dia na vida de um casal. Um homem maduro, uma jornalista politizada, eles passam por imagens do cotidiano do relacionamento de qualquer casal. Os capítulos tem títulos simples, como "A Chegada", "Na Cama", "O Levantar", "O Banho", "O Café da Manhã", e narram basicamente isso: a chegada dele (o livro é narrado em primeira pessoa, então seus pensamentos, impressões e sentimentos estão sempre expostos), uma noite tórrida de sexo (com descrições de causar paudurescência em qualquer um), o café da manhã do casal. A prosa de Raduan é nervosa, intensa: os capítulos são compostos de um único parágrafo, e com um único ponto final, com um uso excessivo de vírgulas; o que pode parecer deselegante à primeira vista, na verdade traz uma intensidade e urgência ao texto, que dará a tônica ao romance quando este atingir o clímax.

Este dia prossegue normal até o capítulo "O Esporro", que contém 52 páginas das 88 do romance! E tudo isso num parágrafo único, em que Raduan concatena suas ideias de uma maneira vertiginosa, passando por vários assuntos em poucas linhas. Se, por um lado, é difícil de parar a leitura no meio deste capítulo pela dificuldade em se retomar a leitura, por outro lado a virilidade de sua prosa e seu estilo original ditam o ritmo da discussão do casal, tudo iniciado por uma discussão boba, devido à irritação dele com um buraco feito por saúvas em sua cerca-viva! A discussão é épica, as ofensas vão do pessoal ao ideológico, e os rumos tomados fariam corar o próprio Nelson Rodrigues: "[...] minha arquitetura em chamas veio abaixo, inclusive os ferros da estrutura, e eu me queimando disse 'puta' que foi uma explosão na boca e minha mão voando outra explosão na cara dela [...]".

Raduan Nassar ainda nos presenteia com pequenas pérolas de inspiração combinada com puro esmero: "[...] sem esquecer que a reflexão não passava da excreção tolamente enobrecida do drama da existência [...]", " [...] 'não conheci ninguém que trabalhasse como você, você é sem dúvida o melhor artesão do meu corpo' [...]".

"Um copo de cólera" é conciso e impetuoso, um livro que traz uma narrativa viva e extremamente visual, pouco mais de 80 páginas que transbordam com fúria, violência e luxúria e, por que não, amor.

Trailer do filme de Aluizio Abranches, de 1999:

 

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