domingo, 9 de setembro de 2012

As Crônicas Marcianas (Graphic Novel), Ray Bradbury e Dennis Calero

Ficha Técnica

Título original: The Martian Chronicles: the authorized adaptation by Ray Bradbury
Gênero: Quadrinhos / Romance
Ano de lançamento: 2011
Ano desta edição: 2012
Editora: Globo
Páginas: 156
Idioma: Português (tradução de Érico Assis)

Citação: "Vamos concordar em discordar. De que interessa quem é passado ou futuro, se estamos vivos, porque o que tem de acontecer acontecerá, amanhã ou daqui dez mil anos."


Ray Bradbury, falecido recentemente, não é desconhecido. Seu romance Farenheit 451 até hoje é referência literária, assim como suas Crônicas Marcianas. Não li o romance original, mas essa graphic novel deixou uma boa vontade de fazê-lo.

Apesar da arte de Dennis Calero não empolgar, o fato desta ser a adaptação de um romance, ainda por cima autorizada pelo autor, dá créditos extras ao projeto. O lançamento também é providencial, acerca da curiosidade recente (e crescente) a respeito do planeta vermelho.

A história vai muito além do óbvio. Não é somente sobre explorações, guerras e combates intergaláticos. Aliás, tiros são o que de menos ocorre. Conforme explicado por Bradbury na introdução, ele começou escrevendo contos avulsos, e após uma sugestão de um editor, transformou-os em romance, finalmente conseguindo publicá-lo(s). Porque esta pequena digressão quando falava da ausência de tiros na obra? Pois é justamente esse aspecto de "contos interligados" que dá a tônica geral da obra, apresentando histórias que aparentam estranheza se comparadas individualmente, mas juntas formam um todo coeso e interessante. Aliás, só é possível entender a obra como um todo ao chegar ao seu final, pois ela é subjetiva, meio alucinante (ou seria alucinógena?), em certos momentos (tragi)cômica, e em outros muito séria. 

Os marcianos não são passíveis de uma definição formal, pois de um capítulo para outro ganham características diferentes (só lendo para entender), e a violência se torna um recurso totalmente desnecessário para a obra que Bradbury se dispôs a criar. Não há uma guerra entre marcianos e terráqueos, pelo menos não da maneira que se imagina que uma guerra possa ser.

No final, as crônicas marcianas do título são histórias sobre a busca dos seres, sejam da Terra ou de Marte, não pelo novo, pelo planeta inexplorado, e sim pelo comum, pelo belo escondido no vislumbre de algo simples. Às vezes, até mesmo um vislumbre para si mesmo, ou para o próximo.

(Obrigado pelo presente, Marina!)

27, Kim Frank

Ficha Técnica

Título original: 27
Gênero: Romance
Ano de lançamento: 2009
Ano desta edição: 2011
Editora: Tordesilhas
Páginas: 218
Idioma: Português (tradução do alemão de Eduardo Simões)

Citação: "Tudo parece existir porque eu vejo, porque ouço, porque sinto. Somente porque eu vivo. A alegria do público, seus gritos, o calor de seus corpos, o êxtase em suas veias... eles são a prova de que eu existo. De que eu realmente sou quem sou, de que faço o que faço. Eles são prova do meu mundo. Eles vão escrever e contar por aí que eu existi. Eles são minhas testemunhas. Os espectadores da minha própria encenação bizarra, em que eu sou ao mesmo tempo um ator trágico e cômico. Até que as cortinas se cerrem. E elas vão se cerrar e me enterrar sob elas. Mas eu existi, eles vão dizer. Eu terei sido. Quantos podem afirmar isso de si mesmos?"


Este é o romance de estreia de Kim Frank, alemão (sim, Kim é homem) e músico. Confesso que não o conhecia, nem a sua música, e comprei o livro pela capa (que é maravilhosa) e pela premissa, que parecia interessante. Depois de ler o livro, não tenho a menor vontade de conhecer a música de Frank.

É difícil achar adjetivos para o livro. Infantil? Pobre? Confesso que fiquei muito decepcionado. A começar pelo porco desenvolvimento das personagens. Mika, o protagonista, sequer tem um sobrenome. Ele é um garoto de 18 anos que não tem amigos (pelo menos não se ouve falar de amizades anteriores). Com 18 anos ele toma contato pela primeira vez com Doors, Jimi Hendrix, Stones, faz amizades, toma seu primeiro porre, fuma seu primeiro baseado, entra para uma banda e logo no primeiro show já é capa da Rolling Stone européia! Caramba, esse moleque vegetava antes da história começar?

Mika é fascinado pela morte. Então há certos momentos constrangedores como quando ele tem que entrar em um elevador e entra em pânico (mas entra mesmo assim, e o pânico dura mais fora do elevador do que dentro. Como assim?). A prosa de Frank é fraca, e o livro é quase que totalmente um monólogo em primeira pessoa. Descrições de tudo o que acontece, dos pensamentos de Mika, tudo torna o livro monótono, extremamente enfadonho. Há diálogos imensos, feitos de frases curtas, sem indicação de quem está dizendo o quê. Lá pelo meio do diálogo você está perdido. No começo achei que a intenção do autor fosse essa mesma, mas quando a mesma coisa aconteceu em outro momento, ficou clara sua inabilidade narrativa.

Mika também tem um fascínio pelo número 27 (algo que é porcamente explicado no livro: ele simplesmente tem a mania de converter qualquer número em 27, por meio de contas e associações), mas essa mania só é explicitada quando ele toma conhecimento do "clube dos 27", aquele que reúne os astros do rock mortos com essa idade. Pronto, ele passa a ter a certeza de que vai morrer aos 27. O mais legal é que ele tem medo de morrer, mas não tem problema nenhum em sair por aí e se drogar até os olhos pularem para fora das órbitas.

Frank mistura tudo, e parece se perder, sem conseguir dar continuidade a suas ideias. Há um salto, dos 18 para os 26 anos (talvez nem ele tenha aguentado sua prosa modorrenta e tenha acelerado a história), Mika é um rock star e a história (mal) desenvolvida até então é deixada de lado, para ser retomada mais à frente, quando Mika volta para casa e parece retomar sua vidinha medíocre de 18 anos.

Vários erros de revisão contribuem para piorar a imagem do livro. Parecem erros do Google translator. E o final é um anti-clímax, é bobo como o estilo de Frank, e me fez sentir mais bobo ainda por ter comprado este livro. Talvez ele pudesse ser relevante na vida de algum garoto de 13 anos, que recém descobriu Nirvana e Rolling Stones, mas que, se pegar esse livro ao completar seus 27 anos para reler vai pensar consigo mesmo: "nossa, como eu era babaca por ter achado esse livro tão legal naquela época". Como eu já passei dos 27 há um tempo, só posso me sentir feliz do livro ter apenas 200 páginas e ter sido uma leitura rápida. Se fossem mais páginas, eu teria largado no meio (ou talvez tivesse me matado, desejando ter morrido aos 27 para não ter tido contato com isso).

Guerra Mundial Z, Max Brooks

Ficha Técnica

Título original: World War Z: An oral history of the zombie war
Gênero: Romance
Ano de lançamento: 2006
Ano desta edição: 2010
Editora: Rocco
Páginas: 370
Idioma: Português (tradução de Ryta Vinagre)

Citação: "Havia outro motivo para esta evacuação parcial, um motivo eminentemente lógico e insidiosamente sombrio que, muitos acreditam, sempre dará a Redeker o pedestal mais alto no panteão do inferno. Os que ficassem para trás seriam conduzidos a zonas de isolamento especiais. Seriam a 'isca humana', distraindo os mortos-vivos para que não seguissem o exército em retirada à zona de segurança. Redeker afirmou que esses refugiados isolados e não infectados deviam continuar vivos, bem defendidos e jamais reabastecidos, se possível, para manter as hordas de mortos-vivos firmemente presas ao local. Está vendo o gênio, o caráter doentio? Manter as pessoas como prisioneiras porque 'cada zumbi que sitie aqueles sobreviventes será um zumbi a menos lançando-se contra nossas defesas'."


"Guerra Mundial Z" é uma grata surpresa para aqueles que gostam de histórias de zumbi, principalmente porque ela não é uma simples história de zumbis. Para começar, parte de uma premissa diferente: a guerra contra os zumbis acabou há dez anos, e nós vencemos. Portanto ele conta, em perspectiva, tudo o que aconteceu antes, durante, e o que vem acontecendo após o conflito. Mas, como o subtítulo em inglês diz, é uma história oral, contada pelas pessoas que viveram o conflito. O livro é vendido como uma coleção de entrevistas que não entraram no relatório final entregue ao governo americano, e isso dá um aspecto de "documento oficial" a ele. Essa cara de "coisa real" do livro chega a dar calafrios, pois em muitos momentos você chega a se questionar: e se isso estiver acontecendo de verdade, nesse exato momento?

O narrador, que se diz o entrevistador que coletou todos os depoimentos apresentados no livro, é o único personagem em comum em todas as histórias, embora ele diga que prefira interferir o mínimo possível nos relatos apresentados. Daí que o livro não tem um protagonista, a não ser o próprio conflito em si. Por isso mesmo é até difícil categorizar o livro como um "romance". Também não é um simples livro de contos, já que a história é contada de maneira linear, e as diferentes histórias conversam entre si. O relato de um soldado americano faz referência a eventos narrados por um soldado russo, e por aí vai. Portanto, não é um romance tradicional, e acho que esse é um dos grandes trunfos do livro. Ele é narrado pelos personagens de cada história, de diretores da CIA a civis, de generais chineses a médicos brasileiros. E justamente isso, a exposição aos meandros da politicagem, a burocracia, a burrice dos governantes, dá o quê de real do livro.

O livro conta em detalhes as primeiras infecções, as ações dos governos quanto a isso, e como a infestação se tornou mundial. Fosse por refugiados infectados, ou mesmo o transplante de órgãos com o vírus, ninguém percebeu de onde o perigo vinha. Aliás, quando o perigo foi percebido, ele foi sumariamente ignorado pela alta cúpula de inteligência; somente quando os zumbis estavam mordendo a bunda deles (literalmente) é que ações começaram a ser tomadas. A maneira que Max Brooks descreve esse lado de bastidores do governo chega a ser uma aula de política, e te faz olhar com outros olhos os seus governantes reais.

Empresários da indústria farmacêutica que lucraram com a histeria da infestação zumbi; general chinês que fugiu com um submarino nuclear, para preservar sua família e a dos tripulantes; civis que fugiram para o norte, esperando vencer os zumbis com a neve do inverno; os fracassos do exército nas batalhas contra um inimigo implacável, nunca enfrentado antes: o livro vai muito além do óbvio e não narra somente pequenas histórias de sobrevivência, mostrando tudo o que foi feito, em escala mundial, para que se pudessem vencer os zumbis.

Se há um aspecto ruim do livro, é o excesso de termos técnicos do exército: referências a equipamentos e armamentos do exército, sem uma explicação mais detalhada, faz o leitor ficar boiando em alguns momentos, mas não é nada que atrapalhe a leitura. Muito pelo contrário: tais termos só trazem mais verossimilhança ao livro.

"Guerra Mundial Z" está sendo trazida às telas por Brad Pitt, e eu acredito que pode ser um filme muito divertido, mas que, com certeza, não fará juz ao livro: é um livro sem protagonista, contando dezenas (sim, dezenas) de histórias paralelas. É impossível trazê-lo fielmente às telas e, ainda assim, fazer um produto acessível para as massas. Portanto, não se atenha somente ao filme para julgar o livro.

No final, o que fica mais evidente ao ler este livro é que a guerra contra os zumbis não trará somente um inimigo, os mortos; há outro que está sempre por perto, e que, por sua imprevisibilidade, pode se tornar o mais perigoso de todos: os vivos. Dizem que os verdadeiros amigos só aparecem nas piores horas. Acho que num apocalipse zumbi é quando você realmente descobre quem são seus verdadeiros amigos.