sexta-feira, 29 de março de 2013

O Aleph, Jorge Luis Borges

Ficha Técnica

Título original: El Aleph
Gênero: Contos / Realismo Fantástico
Ano de lançamento: 1949
Ano desta edição: 2008
Páginas: 160
Idioma: Português (tradução de Davi Arrigucci Jr.)

Citação: "Era muito religioso; acreditava ter com o Senhor um pacto secreto, que o eximia de agir bem, a troco de orações e devoções."


Jorge Luis Borges é um dos maiores nomes da literatura mundial. E não há nada mais que precise ser dito sobre ele.

"O Aleph" é uma das obras essenciais para quem quer conhecer este expoente do realismo fantástico, junto com outros escritores de língua espanhola, como Julio Cortázar e Gabriel García Márquez. E em praticamente todos os contos de "O Aleph" este é o aspecto mais marcante: a inserção de um elemento fantástico de uma maneira que a história não se torne absurda, de maneira tênue em que o sentimento de estranhamento por aquele novo elemento quase não existe. O fantástico se torna aceitável na escrita de Borges.

O primeiro conto, "O Imortal", traduz bem isso, ao apresentar o encontro do protagonista, um general romano, que parte em busca da Cidade dos Imortais. Tais imortais, ele vem a descobrir mais tarde, incluem em suas fileiras ninguém menos que Homero, escritor da Ilíada e da Odisseia; a imortalidade física representada no conto acaba se revelando uma homenagem aos clássicos literários, e à literatura em si. Aliás, cabe aqui um adendo: literatura, filosofia, mitologia e história são elementos referenciados o tempo todo por Borges, tornando a leitura da obra difícil para quem não tenha o mínimo de conhecimento nessas áreas, e, mesmo com o mínimo, a sensação de "estar perdendo algo" é constante durante a leitura. É uma leitura difícil, mas não impossível. É um livro para ser relido a cada dez anos, para apreciação de suas múltiplas camadas com o conhecimento acumulado.

Temas como a perda da memória e de identidade são comuns em seus contos: em "A Busca de Averróis", um árabe tenta traduzir a "Poética" de Aristóteles, e na impossibilidade de encontrar termos semelhantes a tragédia e comédia em sua cultura, simplesmente deixa de existir; em "Aben Hakam, o bokari, morto em seu labirinto" uma morte inexplicável esconde uma trama de roubo de identidade; em "O Imortal", o protagonista se confunde com os fatos que ele próprio acabou de narrar; em "A Outra Morte", Pedro Damián, que morreu velho em uma cidade, é lembrado como o covarde que fugiu de batalhas por uma pessoa, ou pelo corajoso soldado que se sacrificou valorosamente enquanto jovem por outra (enquanto a primeira parece ter suas lembranças alteradas repentinamente). Além disso, há a exploração da figura do duplo: em inúmeros contos temos personagens que, de alguma maneira, se espelham em outros, sejam personagens parecidos ou diametralmente opostos. Em "O Imortal", há o protagonista e Homero; em "O Morto", Benjamin Otálora e o homem que ele deseja substituir, o chefe de seu bando, Azevedo Bandeira (este conto, por sinal, um espetáculo de concisão: sete páginas que poderiam facilmente se tornar um romance); em "Os Teólogos", um intelectual sempre à sombra de seu rival, em duelos de retórica, também abordando aqui a questão da identidade; em "História do Guerreiro e da Cativa", há três personagens relacionados: o guerreiro de um antigo poema, e a mulher inglesa do presente do escritor que abandonaram seus povos e foram assimilados por novas culturas, e essa mesma mulher e a avó de Borges, que se sente completamente excluída numa terra estrangeira; em "A Casa de Astérion", o duplo aparece até mesmo na forma de um amigo imaginário (este conto, por sinal, um dos mais interessantes, com suas referências ao mito de Teseu e Ariadne); até mesmo em "O Zahir" ele consegue inserir a temática do duplo ao falar de uma obssessão por uma moeda; e "O Aleph" em si, a letra hebraica, representa "um homem que aponta para o céu e para a terra, indicando que o mundo inferior é o espelho e o mapa do superior"; e a lista prossegue.

Borges também abre espaços para contos com personagens da América do Sul, como "O Morto" e "Biografia de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874)", em que um soldado se junta a um desertor, Martín Fierro (citado novamente em "A Outra Morte"), e que vem a ser um poema épico, pináculo da literatura argentina, sobre um gaúcho dos pampas que deserta e passa a combater milícias em seu país. Outra referência literária, desta vez bastante ligada à identidade argentina.

O livro conclui com o conto que dá nome ao livro, fechando um ciclo e fazendo, novamente, uma homenagem à literatura: o Aleph do livro é uma espécie de ponto no espaço, "onde estão, sem se confundirem, todos os lugares do planeta, vistos de todos os ângulos". Este Aleph, descoberto por um rival de Borges (personagem deste, e de outros contos, e neste com seu duplo!) em seu porão, seria a fonte para sua inspiração literária. Um conceito bastante complexo, para o qual Borges deu a seguinte explicação: "O que a eternidade é para o tempo, o aleph é para o espaço". Se esse ponto, ao invés de Aleph, fosse chamado Borges, poderia ser bastante apropriado.
 
P.S.: Agradeço imensamente aos membros do Clube de Leitura da Companhia das Letras, cujas opiniões durante o debate sobre o livro foram descaradamente usadas nesta resenha. 

quinta-feira, 28 de março de 2013

The Perks of Being a Wallflower (As Vantagens de Ser Invisível), Stephen Chbosky

Ficha Técnica

Gênero: Romance
Ano de lançamento: 1999
Ano desta edição: 2009
Editora: MTV Books / Gallery Books
Páginas: 214
Idioma: Inglês

Citação: "When I was done reading the poem, everyone was quiet. A very sad quiet. But the amazing thing was that it wasn't a bad sad at all. It was just something that made everyone look around at each other and know that they were there. Sam and Patrick looked at me. And I looked at them. And I think they knew. Not anything specific really. They just knew. And I think that's all you can ever ask from a friend."


Querido amigo,

Eu terminei de ler recentemente este livro, "The Perks of Being a Wallflower", que uma amiga me emprestou. Ele estava em inglês, e foi legal lê-lo no original, embora exista uma versão em português lançada pela editora Rocco, com tradução de Ryta Vinagre. Confesso que folheei o livro para ver qual solução a tradutora encontrou para um termo específico, e não fiquei satisfeito. Não que isso comprometa todo o trabalho dela, mas não era algo tão difícil assim, sabe?

Talvez você esteja estranhando essa resenha, portanto é melhor eu me explicar: Charlie, o protagonista do livro, narra toda a história por meio de cartas, escritas para um destinatário que nos é desconhecido. Ele inclusive troca os nomes dos personagens, para que esta pessoa não possa descobrir quem ele, Sam, Patrick, Brad e outros são na realidade. Portanto a narrativa é totalmente subjetiva (temos que acreditar que tudo aconteceu como Charlie narra), e mostra as coisas sob a perspectiva deste garoto de 15 anos, cheio de problemas. E, apesar de seus 15 anos, ele tem um jeito de escrever, de narrar as coisas, um processo lógico bastante infantilizado para alguém dessa idade, mas que até é compreensível por tudo que ele passou. Por isso estou escrevendo essa resenha/carta assim.

Charlie é uma "wallflower", termo que em inglês é usado para descrever aquela pessoa tímida, que não se destaca, e que se confunde com a mobília ou o plano de fundo; termo muito difícil de traduzir, já que não existe um termo em português para isso, mas "ser invisível" funciona quando você conhece o contexto (não, ele não tem super-poderes): Charlie é tímido, sem amigos (pelo menos no começo da história), um esquisito. Perdeu a tia de maneira traumática e isso o marcou para sempre. E, aos 15 anos, ele vive um ano de descobertas sobre si mesmo e o mundo, que tornam o livro interessante.

É um livro que fala de coisas comuns da adolescência: as amizades, as paixões, o primeiro beijo, a primeira vez. Mas também aborda assuntos muito pesados, como o uso de drogas e as bebedeiras, estupro, abuso sexual infantil, gravidez adolescente e aborto, homossexualidade e preconceito, bullying e problemas psiquiátricos. Não deve ser fácil ser esse tal Charlie.

O livro vai agradar adolescentes por ser exatamente sobre esta época turbulenta da vida deles; mas também tem a possibilidade de agradar os adultos por retratar o ano de 1992: há inúmeras referências à música dos anos 80 e 90, como Smiths, Smashing Pumpkins e Nirvana, o que acabou me remetendo à minha adolescência, além de muitas referências literárias, já que Charlie é um leitor ávido, e que lê grandes clássicos da literatura americana (sob influência do seu professor da matéria).

A maneira como Charlie vê as coisas, como ele lida com suas paixões, sua família, seus medos e sua inexperiência não são lá muito tradicionais. E talvez essa seja a grande sacada do livro, mostrar alguém tão único, que passa por situações tão diferentes (algumas extremamente traumatizantes), e ainda assim que poderia sentar ao nosso lado na escola. Apesar de sua vida não ser invejável, ela ainda assim é admirável.

Com amor,
Sérgio

sexta-feira, 8 de março de 2013

Um copo de cólera, Raduan Nassar

Ficha Técnica

Gênero: Romance
Ano de lançamento: 1978
Ano desta edição: 2009
Páginas: 88
Idioma: Português

Citação: "[...] eu então me levantei e fui sem pressa pra cozinha (ela veio atrás), tirei um tomate da geladeira, fui até a pia e passei uma água nele, depois fui pegar o saleiro do armário me sentando em seguida ali na mesa (ela do outro lado acompanhava cada movimento que eu fazia, embora eu displicente fingisse que não percebia), e foi sempre na mira dos olhos dela que comecei a comer o tomate, salgando pouco a pouco o que ia me restando na mão, fazendo um empenho simulado na mordida pra mostrar meus dentes fortes como os dentes de um cavalo, sabendo que seus olhos não desgrudavam da minha boca, e sabendo que por baixo do seu silêncio ela se contorcia de impaciência, e sabendo acima de tudo que mais eu lhe apetecia quanto mais indiferente eu lhe parecesse [...]"

  

Raduan Nassar, embora ainda vivo, passou como um foguete pela literatura. Lançou dois livros, cansou de tudo e foi morar em sua fazenda (que doou, recentemente, para seus empregados e para a UFSCAR). Apesar disso, suas obras perduram e são influência para muita gente, sendo que "Lavoura Arcaica" e "Um copo de cólera" foram adaptados para o cinema.

"Um copo de cólera" conta um dia na vida de um casal. Um homem maduro, uma jornalista politizada, eles passam por imagens do cotidiano do relacionamento de qualquer casal. Os capítulos tem títulos simples, como "A Chegada", "Na Cama", "O Levantar", "O Banho", "O Café da Manhã", e narram basicamente isso: a chegada dele (o livro é narrado em primeira pessoa, então seus pensamentos, impressões e sentimentos estão sempre expostos), uma noite tórrida de sexo (com descrições de causar paudurescência em qualquer um), o café da manhã do casal. A prosa de Raduan é nervosa, intensa: os capítulos são compostos de um único parágrafo, e com um único ponto final, com um uso excessivo de vírgulas; o que pode parecer deselegante à primeira vista, na verdade traz uma intensidade e urgência ao texto, que dará a tônica ao romance quando este atingir o clímax.

Este dia prossegue normal até o capítulo "O Esporro", que contém 52 páginas das 88 do romance! E tudo isso num parágrafo único, em que Raduan concatena suas ideias de uma maneira vertiginosa, passando por vários assuntos em poucas linhas. Se, por um lado, é difícil de parar a leitura no meio deste capítulo pela dificuldade em se retomar a leitura, por outro lado a virilidade de sua prosa e seu estilo original ditam o ritmo da discussão do casal, tudo iniciado por uma discussão boba, devido à irritação dele com um buraco feito por saúvas em sua cerca-viva! A discussão é épica, as ofensas vão do pessoal ao ideológico, e os rumos tomados fariam corar o próprio Nelson Rodrigues: "[...] minha arquitetura em chamas veio abaixo, inclusive os ferros da estrutura, e eu me queimando disse 'puta' que foi uma explosão na boca e minha mão voando outra explosão na cara dela [...]".

Raduan Nassar ainda nos presenteia com pequenas pérolas de inspiração combinada com puro esmero: "[...] sem esquecer que a reflexão não passava da excreção tolamente enobrecida do drama da existência [...]", " [...] 'não conheci ninguém que trabalhasse como você, você é sem dúvida o melhor artesão do meu corpo' [...]".

"Um copo de cólera" é conciso e impetuoso, um livro que traz uma narrativa viva e extremamente visual, pouco mais de 80 páginas que transbordam com fúria, violência e luxúria e, por que não, amor.

Trailer do filme de Aluizio Abranches, de 1999:

 

quinta-feira, 7 de março de 2013

Cidade Aberta, Teju Cole

Ficha Técnica

Título original: Open City
Gênero: Romance
Ano de lançamento: 2011
Ano desta edição: 2012
Páginas: 320
Idioma: Português (tradução de Rubens Figueiredo)

Citação: "Eu era o filho estranho, entende? Faltava às aulas para poder ir a outro lugar e ler o que eu queria, por conta própria. Assistir às aulas nunca me ensinou nada. Tudo o que há de interessante está nos livros, os livros é que me deram consciência da diversidade do mundo. É por isso que não vejo os Estados Unidos como monolíticos. Não sou como Khalil nesse aspecto. Sei que lá existem pessoas diferentes, com ideias diferentes, sei de Finkelstein, de Noam Chomsky, e o importante para mim é que o mundo se dê conta de que nós também não somos monolíticos, no que eles chamam de mundo árabe, que somos todos indivíduos. Discordamos uns dos outros. Você acabou de me ver discordando de meu melhor amigo. Somos indivíduos."


Entrei em contato com o livro de Teju Cole ao me inscrever para um dos clubes de leitura que a Companhia das Letras organiza na cidade de São Paulo. E, devo confessar, que péssima maneira de começar num clube de leitura.

A premissa do livro parece ótima: Julius, um nigeriano morador de Nova Iorque, é um psiquiatra que faz sua residência, e que gosta de fazer longas caminhadas pela cidade, e refletir sobre o que vê, sobre si mesmo, numa cidade que ainda carrega os traumas e cicatrizes do atentado de 11 de setembro de 2001. O grande problema é que o romance de estreia de Teju Cole é lento, enfadonho, embora descrito como memorável, e tenha ganho prêmios literários lá fora. Sinceramente, a Nova Iorque que Julius enxerga é estéril, solitária e pedante: entre seu amor pelos museus e pela música clássica, ele consegue nos instigar ao falar de certas obras, mas nos entediar ao descrever quais sensações ele está sentindo quando arrebatado pela sinfonia X ou Z... Talvez eu simplesmente não conheça o suficiente de música clássica para me identificar com o protagonista, mas talvez simplesmente seja muito chato ler sobre as sensações que qualquer estilo de música provoca em qualquer pessoa.

O protagonista é polêmico por ser extremamente arrogante, mas não é uma aversão a ele que me fez não gostar do livro, mas simplesmente a maneira como Cole conduz a trama (que, na verdade, não existe): Julius vagueia por Nova Iorque, mistura suas impressões da cidade com as de sua infância na Nigéria, descobre meio sem querer que quer ir atrás de sua avó em Bruxelas, vai, procura por ela por dois dias depois passa o resto do tempo apenas vagando pela cidade, volta para Nova Iorque e continua vagando e divagando pela cidade. Nada acontece.

Julius é um nigeriano bem nascido, filho de um negro e uma branca de origem germânica. Por ser mestiço e ter um nome pouco tradicional na Nigéria, fica claro que ele não se encaixa lá, fato que se repete onde quer que vá: ele é sempre o outsider, não parece se sentir confortável em nenhum dos cenários do livro. A Nova Iorque que ele descreve é, na maior parte do tempo, um lugar de aparência fria, mas não em relação à temperatura, e sim às pessoas; parece que as pessoas não são parte da paisagem da cidade, somente um pequeno entrevero. 

Para não dizer que somente falei mal do livro, há que se elogiar a quantidade de contradições em Julius, que acabam por torná-lo um personagem mais complexo e verossímil: ele não tem problema em entrar no táxi de um negro, mas acha ofensivo usar o serviço dos engraxates do metrô; ele demonstra estar incomodado ao encontrar Moji, a irmã de um amigo de infância num mercado, e inclusive comenta como ela é irritante e não muito bonita, para algumas páginas à frente, depois de estabelecer uma amizade, comentar como a mesma estava linda na festa no apartamento de seu namorado. Além de sua arrogância, ele também carrega uma certa misantropia, sendo avesso a se relacionar com algumas pessoas, mas o livro só se torna levemente interessante quando há tais interações, já que a vida de Julius é extremamente monótona: seja o preso que ele visita na cadeia, num trabalho voluntário, ou Faroucq, o muçulmano que ele conhece na lan house em Bruxelas (cuja fala foi reproduzida na citação), ou o professor Saito, admirado por sua sabedoria; tais personagens trazem outras vozes, e alguma riqueza e diversidade para a narrativa.

Aliás, utilizando-se das vozes dos personagens Teju Cole levanta alguns temas polêmicos para debate, com opiniões fortes que não posso afirmar que sejam suas, mas que são relevantes o suficiente para receberem um pouco de reflexão: a questão do estado de Israel e a Palestina, com uma crítica à eterna lembrança do massacre dos judeus na segunda guerra mundial, a crítica á política externa americana, preconceito contra os árabes no pós-onze de setembro, casamento gay, sustentabilidade e reciclagem, preconceito racial. Teju Cole dá alguma relevância a seu romance ao abordar tais assuntos, mas de maneira superficial.

Depois de quase 300 páginas de nada acontecendo, uma revelação bombástica é feita sobre o protagonista, e as consequências para tanto simplesmente não existem. O romance continua como se o que aconteceu nas páginas anteriores tivesse sido irrelevante, não há a menor consequência para o diálogo de Moji e Julius, e ele continua a viver sua vida como se aquilo não tivesse proporcionado o menor incômodo nele.

O livro termina com um monólogo sem propósito sobre os pássaros de Nova Iorque, um monte de informação irrelevante que talvez sirva para demonstrar que o protagonista é uma pessoa extremamente solitária, mas que no final só evidencia que este livro demonstra uma tal sensibilidade que não é para todos (com certeza não sensibilizou a mim).

P.S.: Apesar do livro, o encontro do Clube de Leitura foi divertido e proveitoso! E para o próximo leremos um escritor clássico: "O Aleph", de Jorge Luis Borges!

A Máquina de Goldberg, Vanessa Barbara e Fido Nesti

Ficha Técnica

Gênero: Quadrinhos
Ano de lançamento: 2012
Ano desta edição: 2012
Páginas: 114
Idioma: Português

Citação: "Um cavalo caiu na Antuérpia. Naquele mesmo instante, em Petrópolis, d. Gertrudes estava pintando as unhas dos pés e sentiu um leve tremor... Como se algo importante tivesse acontecido.
Não há relação alguma entre os fatos.
E tem também a história da borboleta. Ela bate as asas em Rifaina... Muda de alguma forma o curso natural das coisas... E acaba provocando um tufão na Tailândia.
É uma loucura. A gente nunca sabe o momento certo de espirrar, no fim das contas. Vai que dá uma calamidade pública, sei lá...
Ou desequilibra o ecossistema do porco-espinho só porque você não esperou um segundo."

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Você sabe o que é uma Máquina de Goldberg? Não? Então veja esse vídeo:

 

Divertido, não? Mas talvez este aqui seja familiar para você...


[Assista os vídeos, depois continue a leitura]


















[Já assistiu?]
















[Mesmo?]















Pois bem, agora que você já sabe o que é uma máquina de Goldberg, bem vindo à "Máquina de Goldberg"!

Vanessa Barbara e Fido Nesti perpetraram um conto docemente juvenil sobre descoberta, bullying e vingança! Lançada em 2012 pelo selo "Quadrinhos na Cia.", da Companhia das Letras, "A Máquina de Goldberg" é um conto leve e muito bem escrito por Vanessa (que já trabalhou em livros gráficos antes).

Getúlio, um garoto gordinho e que gosta de ouvir à banda punk "Sujos & Malvados", sofre bullying de tudo quanto é lado (apesar do termo "bullying" não ser usado em nenhum momento no livro): seja do instrutor do acampamento de inverno onde se passa a história (Rufus, um ex-capitão do exército), de Pati, a garota que está "sempre com as unhas limpas", do valentão Peterson, do ex-melhor amigo Ferdinando... Recebendo alcunhas como "Banha", ou sendo ofendido até pelo orientador educacional (!), que por acaso é o Rufus (?!), que o chama de "fracassado" para baixo, Getúlio acaba ganhando a compaixão do leitor, pois ele é tão ingênuo a ponto de aceitar todo tipo de desaforo, sem sequer opor resistência.

Numa certa noite, cometendo o máximo de transgressão de que é capaz (sair do alojamento depois das 9h), ele acaba tomando contato com Leopoldo, o zelador do acampamento, e suas máquinas de Goldberg. Nesse momento torna-se bastante divertido ler as descrições das mais improváveis traquitanas, que não funcionariam nunca no mundo real, mas em quadrinhos proporcionam uma diversão inigualável! Méritos para a arte de Fido Nesti, minimalista ao extremo, e que pode pecar um pouco na hora de retratar as expressões faciais, mas que vai conquistando o leitor, que descobre, junto com Getúlio, um mundo impossível de máquinas inúteis geradas para realizar, da maneira mais complicada possível, a mais simples das tarefas! O fato da graphic novel ser toda colorida em tons de sépia dá um quê diferenciado a ela, mesmo não sendo uma história de época, mas talvez trazendo uma ambientação nostálgica para aqueles que não tem mais 12 anos de idade.

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A partir daí, a insólita amizade entre o velho zelador e o jovem injustiçado vai proporcionar que eles busquem extravasar toda a frustração acumulada durante anos num plano arquitetado minuciosa - e complicada - mente. Vale a pena notar o diálogo hilário entre Getúlio e Buba, o cozinheiro, e também a visão que Getúlio tem no refeitório, que ele próprio não entende bem o que se passou, e que acaba desencadeando os eventos que vão culminar no plano final dos amigos. Vanessa, nesse ponto, mostra que conseguiu enganar bem a todos, com uma história bonitinha e ingênua que, em meia página, apresenta um conflito muito sério e de proporções muito maiores que um simples bullying. Ela consegue dar profundidade e relevância à sua obra, e sem ser piegas. Aliás, a pieguice acabou por aí, porque o final é bastante cruel com os inimigos de Getúlio, como toda boa vingança deve ser.

Se você vibrou o mínimo que fosse com o Zangief kid, podendo dizer até mesmo que se sentiu justiçado por ele, então "A Máquina de Goldberg" é uma leitura que vai agradar e fazer você chegar à última página com um grande sorriso nos lábios.

Bônus: Uma máquina de Golberg épica:


(Postado originalmente no Livros Aquáticos)