sábado, 1 de abril de 2017

A Valsa dos Adeuses, Milan Kundera

Ficha Técnica

Título original: Valčík Na Rozloučenou / La Valse Aux Adieux
Gênero: Romance
Ano de lançamento: 1973
Ano desta edição: 1989
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 224
Idioma: Português (tradução do francês de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca e Anne Raine Bruno)

Citação: "Inclinou-se sobre ela e encostou sua boca na dela. Era uma boca fresca, uma boca jovem, uma boca bonita com os lábios macios lindamente recortados e com os dentes cuidadosamente escovados, tudo estava em seu lugar e era fato que ele, dois meses antes, tinha sucumbido à tentação de beijar esses lábios. Mas, justamente porque essa boca o seduzira, ele a sentira através da névoa do desejo e nada sabia do seu aspecto real: a língua parecia então uma chama e a saliva era um licor embriagante. Só agora, depois de ter perdido sua sedução, essa boca era repentinamente tal qual uma boca, a boca real, isto é, esse orifício assíduo pelo qual a moça já tinha absorvido alguns metros cúbicos de macarrão, de batata e de sopa; os dentes tinham pequenas obturações, e a saliva não era mais um licor embriagante, mas a irmã gêmea do escarro. O trompetista tinha a boca cheia com a língua dela; dava-lhe a impressão de um bocado pouco apetitoso que era impossível para ele engolir, mas que ficava mal rejeitar."



Como Shakespeare, mestre em perpretar comédias de erros, Kundera executa aqui um drama de erros. As histórias de vários personagens se cruzam e se transformam durante o período de 5 dias no qual a história se passa. 

Uma enfermeira com um problema que não é só dela; um trompetista famoso, mulherengo e exitante; um namorado abandonado e ciumento; um médico que conduz experimentos que não prezam pela ética; uma esposa possessiva e insegura; um ex-preso político prestes a deixar o país definitivamente; uma garota apaixonada por seu pai de criação; um milionário extremamente religioso. Todas essas personagens se encontram, em algum momento, numa estação de águas onde alguns estão hospedados, outros trabalham, e outros apenas estão de visita. Kundera se aproveita bem desses encontros fortuitos proporcionados pela vida para demonstrar as características mais mesquinhas do ser humano. Mesmo aqueles movidos pela mais boa vontade (em sua própria concepção) comete um ou outro deslize moral.

Uma disputa sobre um filho indesejado que ainda não nasceu, uma pílula venenosa que aguarda há anos para exercer seu papel, discussões machistas sobre como difamar uma mulher: Kundera cria com sua fauna de situações únicas um texto interessante muito mais pelo questionamento das intenções das personagens que nós fazemos, do que por uma identificação nossa com qualquer um deles. E o livro encanta justamente por isso.

A maneira egoísta como os personagens tratam a vida dos outros à sua volta é o que mais chama a atenção, e o que mais choca; nem mesmo a morte é capaz de fazê-los parar e olhar para o próximo com um mínimo de compaixão. É como se nada tivesse acontecido próximo a eles, e a vida continuasse normalmente. Tudo (e todo) aquele que não nos interessa é descartável e facilmente esquecível.

A vida dos personagens tocada, mesmo que sutilmente, pelos outros, muda drasticamente, como uma nova vida que começa. A valsa de Kundera continua com seu ritmo inabalável, com seus pares, trios, quadras, dançando desajeitadamente, atrapalhando-se em alguns momentos, encontrando-se em outros, tentando se adaptar ao ritmo às vezes quando o outro já está mudando para outro, e só parando quando sua música realmente cessa de tocar.

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